domingo, 25 de outubro de 2015

Samhain para Crianças ou Por que você deve ver Festa no Céu com seus pequeninos



Educar ou não educar os filhos dentro dos preceitos de nossa religião é um dilema para alguns praticantes de paganismo celta. Muitos não têm dúvida e seguem a lógica “se esse é um caminho bom pra mim, será bom pro meu filho” e trabalham na intenção de fazer da religião uma tradição familiar como antigamente, quando o deus de meu avô era o deus de meu pai e então meu deus, de modo natural. Outros preferem deixar os filhos escolherem, não querem impor o que deve ser feito com amor, e optam por dar algumas orientações e deixar “a conversa” pra quando o filho tiver mais maturidade.

Minha filha fará 4 anos e sinceramente acho muito difícil decidir o que fazer,por certo não quero obrigá-la seguir minha fé, mas devo dizer que é impossível educá-la sem transmitir preceitos religiosos, a cada dia, porque nossa religião é viva e permeia nosso modo de vida.Eu ensino conceitos e idéias do paganismo a ela, querendo ou não, cada vez que cuido do jardim, limpo o altar, a ensino a se despedir do mar , ou que ela ao ver, me pergunta dos cristais, ou quando devolvemos as conchinhas pro mar ao fim da praia. Isso tudo não por obrigação, mas porque acho realmente bom e que, sendo assim, fará dela mais feliz. Ela percebe e assimila significados que podem influenciar sua escolha no futuro, ou ao menos entender bem os significados do que sua mãe pratica.

Visando dialogar com quem está interessado em ensinar os pequeninos, começo hoje a publicar uma série específica de textos com dicas de livros e filmes e como eles podem auxiliar a transmissão de idéias e conceitos pagãos. [Por favor enviem sugestões, elas são muito bem vindas para termos um troca de experiências dinâmica e produtiva.]

Começo sugerindo a participação no ESP®Pagãozinho,um dos projetos integrantes do Projeto Gaia Paganus®.Encontro Social Pagãozinho® acontece anualmente em outubro no Rio de Janeiro. Até onde sei, esse é o único evento voltado para a troca de experiências de pais pagãos, que visa promover a convivência e troca de experiência de famílias pagãs e que envolve uma série de atividades lúdico-pedagógicas de cunho pagão para crianças. Merece nossa visita não é mesmo?

Inauguro a sessão falando sobre o filme Festa no Céu, não deixe de dar sua opinião. Benção dos Antigos!

Fiz o possível pra não dar spoiler do filme ao longo do texto, na intenção de te convencer a ver sem estragar as surpresas da trama. Festa no Céu, título original The Book of Life (O Livro da Vida, 2014),é um longa metragem de animação dirigido por Jorge R. Gutierrez. O filme conta a história de 3 crianças, Maria,Manolo e Joaquim, que são objetos de uma aposta entre La Muerte e Xibalba pelos domínios dos reinos do Outro Mundo. La Muerte e Xibalba apostam com qual dos amiguinhos Maria vai se casar e assim se desenvolve a história.

Em 30 segundos o filme propõe que vejamos as coisas de outro jeito. E cumpre, nos levando  a uma nova percepção de muitas coisas, principalmente a morte.Um  grupo de crianças que está em uma excursão, entra pelo museu por uma parede, que a primeira vista é plana, mas olhando com mais cuidado fornece a entrada para a parte secreta do museu, onde está o Livro da Vida, aos pés de uma árvore incrivelmente colorida. Em minha opinião, ser pagão consiste justamente “ver” o invisível, onde muitos não vêem nada, olhar além, e o Livro da Vida estar aos pés, na raiz de uma árvore... é um prato cheio pra iniciarmos a conversa sobre o Culto aos Ancestrais, o significado da Bile, pra quem usa esse símbolo sagrado.

O filme proporciona um leque de quebra de paradigmas muito interessante, pra começar não gira em torno do amor romântico idealizado. Alguns filmes infantis tem buscado novas propostas, alternativas à antiga lenga lenga casamento-com-príncipe-genérico-é-solução-da vida-da-mulher: aconteceu em Valente e Frozen e talvez outros mais. Em Festa no Céu, aquele que encerra as características de valentia e força do “príncipe” é deixado de lado principalmente por ser muito egocêntrico, o candidato mais sincero, e que sobretudo não ameaça a autonomia  de Maria é quem a conquista.
Eu teria muita dificuldade em criar um menino, pois acho todos os filmes infantis com protagonistas masculinos, em menor ou maior grau, incentivadores de comportamento machista/ violento (moro com sobrinhos, sei o que estou falando). A repetição de  estereótipos de gênero em filmes infantis tem efeitos nocivos de todos os lados. Seguindo pela questão de gênero é muito bom ver que a mulher não é a principal, e nem necessita se casar pra ser alguém, ela é desde menina uma empoderada: livre, independente, inteligente, ciente do que quer e do que esperam dela enquanto mulher, (foge de quem idealiza o casamento pela ótica da realização de serviços domésticos), valoriza os livros e a arte, não usa maquiagem e é bonita (sim, o filme deixa isso claro). Manolo, o menino que se torna protagonista tampouco é superpoderoso, nem tem uma grande missão, nada disso, de fato, ele é simplesmente alguém comum, sem poderes,ou riqueza, com problemas, sonhos, tarefas, desejos e que vence, com seu jeito, e não com o que impõem a ele....esse seria um filme que eu faria questão de passar pro meu filho menino.O antagonista são os medos de seguir seus próprios sonhos, quer mensagem mais incrível?

Nessa quebra de paradigmas, voltando a ótica pagã, o filme trata da morte. Enquanto pagãos entendemos, ou tentamos entender, a morte como parte da vida, etapa da vida, continuação dela, o que é tarefa difícil pra nós adultos e pior ainda é como explicar a morte pra uma criança? Uma vez falei pra minha filha que meu pai estava no céu, e ela passou uma semana olhando pra cima, toda volta da creche, era uma demora, pois lá estava ela de pescoço esticado... quando perguntei, descobri que ela estava tentando achar meu pai nas nuvens, então vi que o eufemismo não tinha feito nenhum sentido pra ela e fiquei me perguntando como ser mais didática sem ser cruel (ela nem tinha feito 3 anos).
Certamente esse filme será de grande ajuda. No filme acompanhamos a trajetória de Manolo seguindo sua jornada pelo Mundo dos Vivos, e dos Mortos (que é dividido entre Mundo dos Lembrados e dos Esquecidos). La Muerte é uma personagem encantadora, benevolente, auxiliadora e “feita de balas de açúcar”, todos a adoram. A grande mensagem é que a morte não é o fim. O filme presenta um mundo dos mortos ativo, vibrante e também sua influência no nosso mundo, (claro que o aspecto positivo dessa influência, é um filme infantil gente) .A influência do nosso culto aos Mortos no outro lado não fica de fora. Quem não é lembrado fica em um lugar desprivilegiado, sem cor; o que é perfeito pra ensinar sobre o culto aos Ancestrais. 

Visualmente a representação do Mundo dos
Lembrados me fez entender a discrepância na tradução do título original para o título em português: que coisa linda! É um trabalho de arte visual e musical impressionante, repleto de caveiras mexicanas multicor. A trama não associa em hora nenhuma tristeza à morte, é nela que encontramos todos os nossos ancestrais e eles nos recebem em festa. A morte retratada ali é uma continuação da vida, é necessário enfrentar novos desafios, progredir, e claro, no Dia dos Mortos, é possível contar com a ajuda de Nossos Amados Ancestrais. Quer mais motivos?

Tem mais. O mal não é totalmente mal, o bem não é totalmente bem, não há esse dualismo delimitado no Outro Lado, há mais uma dinâmica que os move do que definições rígidas. La Muerte e Xibalba dialogam, apostam, brigam, são amigos, amantes, e há uma terceira figura, o Homem de Cera, que mantém o equilíbrio, ele é feito da cera da vela de todas as vidas, cada vida é um vela acesa no outro lado, ele também governa as cachoeiras que são passagens para outros mundos (qual é na mitologia celta). Também há no filme uma deixa sutil para conversarmos com nossos  pequeninos sobre a natureza das trocas e tratos com seres do Outro Mundo e suas conseqüências.Mas isso é pra quando estiverem maiorzinhos rsrs